A famosa hipótese acerca da origem das espécies desenvolvida no século XIX pelo naturalista inglês Charles Darwin alcançou destaque e respeito no meio científico e parece ter sido aceita por unanimidade nesse meio. No entanto, esse pensamento não é, de fato, uma verdade. Considerando-se o crédito que recebe em detrimento de outras ideias, ela tem polarizado a comunidade leiga e científica, provocando divisão e desconforto.
Na presente série de artigos, analisaremos a precariedade dessa “verdade científica” e como ela tem sido convertida em uma doutrina que, em diversos aspectos, assemelha-se a uma religião, impondo conceitos aparentemente irrefutáveis e instaurando uma espécie de ditadura científica.
Devoção pela liturgia científica
De acordo com Aristóteles, “o homem é um ser social”. Essa é uma premissa inquestionável e de ampla aceitação. Os seres humanos necessitam se organizar para sobreviver e melhorar a própria expectativa e qualidade de vida. Contudo, apesar de ser unificadora, a organização social humana também gera polarização social e cultural, entre outras.
Indivíduos com afinidades se unem, formando grupos que se colocam em posições opostas. Tais sociedades originam subgrupos que buscam harmonizar conceitos e teorias nem sempre convergentes. É um costume historicamente documentado que um grupo, classe ou seja qual for a forma de identificação procure conquistar outro(s) por meio da argumentação, da força ou da intimidação. A isso os religiosos chamam de evangelização; os intelectuais, de processo educativo; e os cientistas, de estabelecimento de um paradigma.
Em si mesma, nenhuma dessas práticas é prejudicial. Na verdade, é necessário compartilhar conhecimentos e ideias. No entanto, as informações fornecidas devem estar a serviço do ser humano, a fim de promover-lhe o desenvolvimento. Nesse sentido, é importante salientar que, conforme diz o refrão popular, “quando o argumento é fraco, a voz precisa ser forte”, e, em muitos casos, a força e a intimidação tornam-se subterfúgios para inferiorizar um indivíduo ou grupo, privando-o do direito de discordar.
Isso certamente se aplica com maior exatidão às minorias e, mais diretamente, aos desfavorecidos. Tais pressões dão origem a conflitos por direitos e denúncias em todas as sociedades, nos diferentes níveis que as compõem.
A principal questão que se pretende levantar por meio deste trabalho envolve o direito inalienável à liberdade de consciência e crença. Estaria a ciência exercendo uma postura ditatorial ao supervalorizar a teoria darwiniana a respeito da origem das espécies e, aparentemente, desprestigiar possíveis alternativas válidas? A esse respeito, nossa intenção é questionar três pontos:
- Os paradigmas aplicados à teoria da origem das espécies proposta por Darwin respeitam os paradigmas positivistas evocados pela ciência?
- Há razões para que essa teoria seja considerada como mais crível do que qualquer outra, ou é necessário exercer algum tipo de fé para aceitá-la?
- Se a aceitação dessa teoria também envolve crenças pessoais (ou seja, fé), essa postura também poderia ser considerada uma manifestação de “religiosidade”?
A controvérsia entre ciência e religião não é nova nem tem diminuído no decorrer do tempo. Segundo Daros (2009, p. 13 – tradução livre),
Talvez um dos conflitos que mais marcaram presença no Ocidente tenha sido aquele que se originou entre os diferentes saberes relacionados aos domínios da ciência e da religião. Esses saberes remetem a fatos da realidade física ou social e a conceitos com uma longa trajetória histórica e cultural, aos quais foram agregados significados complexos, às vezes sutis, que afetaram e afetam a vida das pessoas e das sociedades.
A ciência rompeu com a filosofia e a religião, passando a chamar a primeira de “senso comum” e negando à primeira o status científico. Ao condenar aquilo que considera mitos, a ciência se esquece de que tem os próprios mitos e parece ignorar a própria história, que, aliás, nem é tão antiga.
Esta série de artigos é relevante nos contextos da Sociologia e dos Direitos Humanos, uma vez que, em muitas situações, os estudantes que “ousam” manifestar ou defender cosmovisões diferentes daquela que é comumente apregoada como inquestionável são desrespeitados, atacados e, até mesmo, ridicularizados por conta do próprio ponto de vista, tornando-se vítimas, por exemplo, de bullying e perseguição acadêmica. Por se encontrarem em uma posição sistêmica de notável desvantagem, considerando-se que os professores ostentam títulos que lhes conferem notoriedade e prestígio, um grande número de adolescentes e jovens cede às pressões vigentes, abdicando de suas convicções e “assimilando” o pensamento alheio, que igualmente carece de comprovação empírica. De igual modo, muitos pesquisadores impõem um caráter irrefutável às hipóteses que formulam, desvalorizando os estudos e as descobertas de colegas com pensamento distinto e, em muitos casos, embasado cientificamente.
Referência
DAROS, William R. Conflictos epistemológicos entre el pensamento científico y el religioso. Disponível em: <https://is.gd/cBRGjH>. Acesso em: 2 set. 2020.